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O Metrô


"Estamos aguardando a liberação do tráfego a frente"
E então ele paulatinamente parou. Olhares tristes tentam fugir dali. Tentam escapar perdidos pela grande e cinzenta janela. Rostos cansados estampam fisionomias como as de alguém que havia sido chicoteado. Ombros arcados direcionam-se para o chão. Malas confortam-se nas pernas de seus donos, que, por sua vez, confortam-se em lugar algum. Uns se apoiam para não cair, outros se apoiam para dormir. Uns dormem sem sequer apoiar-se. Outros não caem para que não possam acordar.
"Estamos aguardando a liberação do tráfego a frente"
As paredes à prova de balas posicionam-se de ambos os lados dos trilhos, escondendo-os. As favelas, motivo das paredes, posicionam-se de ambos os lados para fora das paredes. Questionamentos posicionam-se em qualquer lugar dentro da cabeça, basta olhar para alguém. Os que estão próximos ao mapa das estações tentam se lembrar onde é que estavam: "Coelho Neto? Irajá? Colégio?". Não importa, a Pavuna nunca chegaria para estes. Do outro lado, sujeitos não tão próximos ao mapa das estações olham para a formosa menina-quase-moça que se encontra encolhida no canto do vagão - que, diga-se de passagem, raramente transporta senhoritas com tão singela beleza para se vislumbrar - e tentam imaginá-la sem o uniforme estudantil que a vestia. Sem pudor algum, só com auxílio dos olhos, eles a tiram daquela camiseta branca-quase-transparente e arrancam-lhe a saia azul-marinho-olhe-para-mim. A menina, ingenuamente assustada, não se encontrava próxima ao mapa e não despia a ninguém com os olhos. Constrangida e agora nua, olhava apenas lá para fora, para a imóvel parede à prova de balas.
"Estamos aguardando a liberação do tráfego a frente"
O terceiro aviso oficial chega naquela voz simpática de aeromoça. Seguido por uma tradução em que fica claro o péssimo curso de inglês que a portadora da voz havia cursado. Estes mesmos petulantes, que se sentem no direito de criticar o curso de inglês alheio, pensam inconformadamente: "seria mesmo tão difícil liberar o tal tráfego a frente?". Quando a impaciência é tamanha, dá para sentir seu fedor no ar. O mal humor se espalha por osmose. Dissemina-se como um terrível vírus, pessoa por pessoa, dentro daquele que é apenas um, dos cinco vagões que fazem parte do robusto Cavalo de Ferro Azul Metálico, chamado em certas ocasiões de Metrô.
"Estamos aguardando a liberação do tráfego a frente"
No fim, assim como aquelas miseráveis vidas, o Metrô continua ali, parado. Ninguém sabe ao certo, porém chegam a ter uma certa noção de quanto tempo se passou desde que o carro estava acomodado naquele local. Mas e suas vidas? Mas e as suas vidas? Desde quando elas haviam parado?
"O MetroRio agradece a preferência"