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Nestesia

Transformar dor emocional em dor física é possível.
É sabido que se transforma energia cinética em energia térmica. O processo é o mesmo.

Afasta a tormenta. Espanta a tempestade. Passa a angústia. Quase toda ela. É uma substituição, na verdade.
Substitui-se por devaneios. Por desapontamento. Raiva. Até tudo virar mal estar, náusea.

Então você pode cuspir para fora. Junto com ela, saem todas as preocupações. Todos os incômodos.
Fica apenas a dor de estômago. Mais leve e suportável que a ferida aberta no peito.

Olha! Aquele homem está se embriagando:
perdeu o emprego
ou um ente querido
talvez um filho
quem sabe foi traído
divorciou-se da esposa
ou nunca conseguiu ter uma
foi despejado
não consegue pagar o aluguel
lhe falta dignidade, força de vontade. 
Balela!
A dor não é apenas subestimada. É ácida. E por isso dói tanto.
O que o homem quer é esquecê-la. Expulsá-la. Transformá-la em vômito.
É compreensível. Justificável. Válido. Eficaz. E só agora faz sentido.

Deliciosa receita de texto jornalístico

Ingredientes

- dois assassinatos
- uma testemunha
- uma declaração de autoridade policial responsável
- estatísticas pertinentes ao caso a gosto

Modo de Preparo:

Faça o lead no primeiro parágrafo, respondendo as perguntas O Quê, Quem, Onde, Como e Por quê;
Deixe-o em banho maria até o terceiro e último estar pronto;
Nos parágrafos seguintes, use a testemunha sem deixar o texto descansar, pois podem aparecer infinitivos no plural e gerúndios, que o deixariam pobre;
Tenha cautela ao usar aspas, prefira verbos declarativos. Muitas declarações diretas desmerecem seu trabalho;
De forma alguma repita palavras. Use seu vocabulário e, ao mesmo tempo, o faça de forma simplista, de forma que até uma criança de 12 anos possa saboreá-lo;
Evite ao máximo a formação de proparoxítonas. Em muita quantidade elas amargam;
Atenção! Para não desandar, cada período não pode conter mais do que 16 vocábulos;
Ao usar estatísticas, lembre-se de que, de 1 a 9, escreve-se por extenso, de 10 a 99, numeral. As casas das centenas e milhares simples (100, 200, 300 / 1000, 2000, 3000), são escritas por extenso. Nas centenas ou milhares que contenham centenas, dezenas ou unidades (101 a 199 / 1001 a 1999), numeral;
A porcentagem é outro ponto importante. Na primeira vez que ela for aparecer, o faça por extenso. Da segunda em diante, numeral;
Por fim, seu tempo é o ontem, de maneira alguma deixe que essa receita pareça velha, mesmo que os ingredientes tenham ocorrido há semanas;
Leve ao redator e ao diagramador por alguns instantes, e prepare-o na impressora offset por 5 minutos, ou, na rotatória, por 3.

[dependendo do veículo e da impressão escolhida] Faz-se de cinco a 500 mil pratos.

Boa apetite!

fonte: http://tudogostoso.uol.com.br/

Deserção.

Pois é, sinto saudades.
E depois de 7 meses desde que a declaração formal sobre o fim do blog foi dada, eu voltei.
Voltei para dizer que o Complexo Alpha é, sim, uma excelente companhia.
Como as que poucos conseguem me dar.
Pois é, eu voltei.

Despedida

     Espero que dessa vez eu seja breve... pela última vez.
     
     É, meus amigos, parece que chegou o momento mais difícil que esse blog terá de enfrentar: seu fim.
     Sim, andei pensando nos últimos dias sobre essa possibilidade e cheguei a conclusão de que esse ciclo precisa ser fechado. O Complexo Alpha foi uma experiência e tanto na minha formação, muito embora eu o tenha usado apenas para dividir besteiras e erros gramaticais com o mundo. Não que isso não tenha sido nobre, pois eu realmente acho que foi. E, na verdade, me sinto como se tivesse cumprido com meu dever. Aqui escrevi durante os últimos 3 anos, desde o dia 31 de Março de 2008 até o dia de hoje, 1 de Abril de 2011. Dia que, numa outra ocasião, eu usaria para pregar uma peça em vocês - falando que fecharia o blog com um texto igualzinho a esse, haha. Mas esse dia infelizmente não é o de hoje. Esse post não é uma brincadeira de primeiro de abril, eu acho.


Uma noite com Arlindo

"Essa música não sai da minha cabeça", reclamava durante o dia.

Acordou no meio da madrugada.
Sua irmã na cama de cima.

Continuou deitada.
Olhando pra cima, com o escuro sem deixar ver nada.

Não via teto, não via paredes, não via nada.
Só conseguia ver que na verdade não via absolutamente nada.

Via, e ouvia, a música.
Bem nítida, ressoando na cabeça.

Resolveu levantar.
O silêncio era quebrado pela frequência mansa do ventilador e, é claro, pela re-batucada da música, que não saía da cabeça - e se misturava à melodia do ventilador.

Atravessou o quarto e abriu a porta sanfonada
Passou pela saleta que liga os quarto à cozinha e, quando finalmente acendeu a luz, lá estava ele:

Com um banjo, a barba safada e cordões de ouro pendurados no pescoço.
"Isso não é possível", ela pensou... era Arlindo Cruz.

Sentadinho na cadeira, olhando para ela com aquele sorriso de pagodeiro, 
E puxando um 

"Globo Repórter é B-B-Beleza/ e pra ser Mais Você é muita Malhação/ 2010 é com a bola nos pés e o controle na mão/ Não é mole não, meu irmão, não é mole não/ O povo escolheu a Globo/ isso é globalização (...)".

Inacreditável.

Conversa do eu comigo

Quantas vezes desencontrei-me?
          perguntou um Eu pensante e dotado de consciência.
"Muitas", respondeu um impulsivo inconsciente errante.

Encontrar-se.
Encontrar-se.
Encontrar-se. 
          repetiu-o algumas vezes a fim de encontrar-se
           já no significado bruto da palavra.
"Independe de outrem", indagou o inconsciente.

Independe, de independer.
Seria esse mais um desencontro
ou encontrar-se depende da solidão?
          perguntou-se já sabendo a resposta,
          ainda que ela não viesse de estímulos diretos.
"Encontrar-se em si mesmo é o desencontro"

Encontro-me em você. Certamente.
          encontrar-se     e no lugar correto
          até seu inconsciente já entendia