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Nem juvenil nem rodado demais

     Exite um momento da vida em que você percebe que nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que brilha é prata e nem tudo que explode é dinamite. Os sonhos da juventude já se foram e os heróis em vida começaram a morrer. E quando digo "heróis em vida" falo daquele menino, o Jonatan, que na terceira série tirava 10 em tudo e alimentava nossas esperanças de que, sim, teríamos estudado com um gênio. Bom, agora ele é só mais um que paga faculdade. Daniel e Adriano, prodígios na cena do rock da cidade, agora medem esforços para justificar o fracasso de um álbum que quase não existiu. Até o Gabriel, o Biel, que era federado no Fluminense, titular das categorias de base desde os sete anos... nada. Dispensado. Fadado ao chopp do Bar do Zeca toda sexta-feira entre porções de frango à passarinho e aipim com carne de sol.
     Chegar na faixa dos vinte anos é desafiador. Você não é nem juvenil nem rodado demais. Desistiu de ser uma personalidade premiada mundo afora mas sabe que ainda pode ser muito bom na sua área. E todos os dias essa incerteza dicotômica te aperta os pulmões. A concorrência intimida, o mercado está saturado, o apartamento na Zona Sul está cada vez mais caro e você precisa ler A Divina Comédia e Fausto, tendo sequer terminado Dom Casmurro. Quando te chamam para uma cerveja você vai com a consciência pesada devido aquele(!) trabalho da faculdade. Nada que meio copo não resolva. O salário de estagiário te restringe ou a ter um iPhone, ou a viajar no fim do ano. Ou um, ou outro - o poder de fazer os dois denunciaria que seu contrato na verdade é de efetivado.
     Problemas estruturais à parte, diariamente o sistema te esgana pelo pescoço enquanto você lembra que não estuda engenharia. Viver, como diria o poeta, "à moda caralho", somente é opção para os que corajosamente enfrentam a vida como uma partida de Space Invader. E enquanto isso não acontece com a sua, você divaga sobre a existência e a necessidade de frequentar regularmente um psicanalista. Sim, chegar na faixa dos vinte é desafiador. É a fase da grande transição. Ou, para os desatentos, é a fase de entendê-la. Você precisa agir e pensar como adulto mesmo que ainda tenha licença poética para ser uma criança retardada. E no fundo é realmente isso. Só que entre Dante Alighiere, Goethe, Machado de Assis e Fifa 2013, há uma eterna sabedoria que diz que, impreterivelmente, 3 a 0 é capote. E isso ninguém tira de você.

O Metrô, episódio III

Ilmo. Sr.Governador

Hoje experimentei o novo carro do metrô, aquele que vem substituindo toda a antiga frota.

Não gostei.

Contudo, admito que os novos carros são realmente incríveis, meus parabéns. O ar condicionado é potente, fundamental nos dias quentes do verão carioca, mesmo tendo me deixado meio gripado. Os carros também são robustos, têm mais espaço interior e a sacada de tirar as divisórias entre os vagões é genial. O tempo entre as estações também diminuiu, concluí que eles são mais velozes e silenciosos. Gostei que os carros consomem menos energia, também. Vi isso na publicidade que ficava passando nas televisõeszinhas pequenas dentro deles. E os bancos? Bem dispostos, de maneira que mais pessoas possam se sentar. Pareceu tudo muito bom. Mas só pareceu mesmo. Porque na primeira viagem percebi o quanto as coisas estão mudando entre nós, Governador. E isso me perturba.

Vamos aos fatos.

Hoje não levei nenhuma cotovelada enquanto as portas se abriam. Ninguém limpou o suor usando minha camisa. Não vi grávidas ficando em pé, marmanjos no vagão das mulheres e, principalmente, não fui encochado por um gordo excitado. Agora me responda, Sr.Governador, para quê andar de metrô se não existe a possibilidade de ser encochado por um gordo excitado - ou, eventualmente, encochar um? Com todo o respeito, se eu quisesse viajar com tranquilidade, singularidade e frescor, pegava um ônibus executivo, quem sabe um táxi. Mas não: eu quero andar de metrô! Logo, espero que a companhia me ofereça um serviço de metrô legítimo, que tenha gente se empurrando na disputa por um assento e que viaje com mochila nas costas. Que se proponha a respeitar a legitimidade cultural desse tipo de transporte num país de terceiro mundo, e não transforma-lo diante a pressão de parte ínfima da população que exige, infelizmente, o mínimo de respeito. Poxa, agora eu vou fazer Pavuna x General Osório como se fosse Châtelet x Saint-Dennis? Tá achando que isso aqui é Europa? Sr.Governador, eu só quero continuar voltando para casa como nos bons tempos, imobilizado na multidão, tendo que pedir para um desconhecido coçar minha testa por não conseguir levantar os braços. O Sr. entende meu ponto? Aliás, o Sr. já sentiu o suor de um estranho no cangote? Ao menos sabe que sensação é essa? Acho que não. Mas isso não significa que o Sr. não seja capaz de compreender que eu não quero perder esse tipo de coisa, né. Afinal, esses são os velhos costumes! Que por anos firmaram-se como patrimônio púbico deste povo. Saibamos valorizá-los e preservá-los. Portanto, com esses novos carros o Sr. está passando por cima dos vários anos em que fomos transportados como gado e, consequentemente, por cima de nossa História.

Ao que parece, Sr.Governador, esses são tempos que não voltam mais. Tempo que todo carioca lembrará com carinho, vislumbrando nostalgicamente o agradável infortúnio que é ser um suburbano. Um dia espero que o Sr. entenda que o povo exige a dignidade de um glorioso retorno às raízes, aos dias em que éramos transportados sem o menor respeito pelas linhas ferroviárias de sua cidade. Se este dia chegar, o Sr. saberá onde nos encontrar: estamos em algum lugar entre as linhas um e dois do metrô, das 5h às 23h, confortáveis, frescos e civilizados, como nunca haveríamos de ser, NÃO FOSSE VOCÊ.

Atenciosamente,
Um de nós.