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frações

em sete segundos o mundo vira,
a vida acaba
a chama extingue. ou reacende, do nada.

em sete segundos. ou menos, não sei. não contei.

posso ser estatística,
estigma
testemunha, vítima.

cara, foram sete segundos. ou um pouco mais, não sei.

o pensamento é inocente
e das projeções, saem visões escorregadias
viver é o que interessa.

um instante, ou sete. frações. elas definem tudo.

o amargo e a maresia (cotidianos afetos)

viver entre o suficiente e o agradável.
talvez o ideal não more tão distante disso.

não fariam falta os gordos salários.
nesse beco,
ter mais significa gastar mais.
e só.

porque sorriso eu improviso
em cotidianos afetos.

mas vejo a praça desarrumada
vejo diálogos virtuais
e sinto o quão vazio é o frio,
o amargo e a maresia.

quem sabe ainda te cobre por tamanha impessoalidade.

argamassa

agora
escrevo monólogos
versificados

foi o que sobrou
na minha caixa

uma espessa camada
estéril
de criatividade

azul e fúria

da janela vi a noite despencar

fragmentos de universo

blocos de concreto

trechos incompletos

caíram sob o teto da nossa compreensão

essa bagunça!

forrem o chão com o infame. comecem com os jornais de ontem

deem-me tempo. morfina na veia

que amanhã o céu amanhece assim:

"tinta fresca"

insolúveis madrugadas

cheguei e comi. comigo.
olhei e percebi. sem você.
minha liberdade organizada e compulsória.
minha vontade desenfreada, minha angústia,
os sentimentos previsíveis. repetitivos. sinceros.
eles gritam e explodem presos no espaço-tempo.
estou aqui e penso demais. demais.
bebi uma cerveja. fumei um cigarro.
vi fotografias e visitei memórias lúdicas.
reconheci seu sorriso. senti seu perfume.
precisei te escrever (dessa vez sem pensar)
só deixei escoar,
vazar a cabeça
até transbordar a palavra da minha boca e fazer a poesia ter sentido.
porque a vida já não sabe mais o que é isso.

portão 13

antes de ir, e entrar naquela porta

deixa eu ver você mais uma vez.

deixa eu te ter por enquanto. por esse tanto.

deixa eu te ler antes de dividir.

antes de despedir, e você ir

por favor,
fica.

em quatro a sós

cá estamos nós.
sós.

o epicentro da puberdade.
inferno, cidade.

urbanizamos o moralismo.
edificamos ruínas.

arranhamos o céu.
e parimos um lugar de solidão.

o beco

escrevo agora numa caderneta escura
entre homens de gravata
e pessoas dentro d'um metro quadrado
não enxergo nada além de brisa

mas

a resignação não é opção
ter lápis
e papel
é um privilégio

deserção (parte II)

me cozinho em banho maria.
enfrento. aguento. dispenso.

tor-men-to

meu sangue fermenta vocação.
mas minha carne não será teu trunfo,
eu não sou teu alazão.

acordados-sonhos

enquanto nosso café não fica pronto...

desço-o-som da tv,
e assisto teu sono.

mergulho. acompanho.
sinto a respiração.
advenho. intrometo.
e acabo em acordados-sonhos. acordados sonhos-teus.

quando despertar,
será manhã.

terei você pulando em mim na cama, sorrindo.
dizendo que quer comer ou instalar a nova cortina.
usando um shortinho listrado e vestindo camisa branca,
com uma borrachinha preta no cabelo.

quando despertar,
será amanhã.

e o café vai estar na mesa.

crise em joão e maria

não há migalhas de pão na estrada.
e não sei o caminho. nunca soube.

se escrevo poesias,
ou trago cigarros
me afundo em pensamentos
e explodo internamente

o destino é um só:
a casa de doces é amarga
a jaula é muito real.

e é pelo que?
... dinheiro?

seu mesquinho. fraco. egocêntrico.

a que preço
a que preço
a que preço
a que preço
     padeço.

a cólera

a voz hesita. insinua na penumbra.
instiga/ o íntimo/ do instinto

devastadoras formas de entrega.

de joelhos
me faço servo, me faço escravo.
/vez a vez/
sou arrebatado.

por tua fome. tua ira. tua carne.
a pele adere atração
o suor derrama desejo
e a violência da química
termina em possessão
>>
pernas trêmulas
perversos sussurros
olhares maniqueístas
gemidos descompassados
devassas convulsões

/a cólera/

e então ela me tirou os olhos e cuidadosamente os guardou no bolso
dizendo que havia espaço na gaveta - onde já estava o coração -
e assim, vulneravelmente seguro, continuei a acompanhá-la.

posses

o mínimo que um homem pode querer pra si,
pra vida,
é um horizonte.

insolência

ela chega com o corpo ainda vivo
        d
        e
            c
            o
            m
       p
       o
   s
   i
         ç
         ã
         o
         atacando primeiro a cabeça.

carreira

pobre, mas jornalista.
pobre, mas vaidoso.
pobre, mas egocêntrico.
pobre homem.

coroa de lúcifer

enquanto voava minhas asas queimaram.
em queda percebi a cidade-miniatura
e as criaturas em sua pequenez
pessoas-
ego, lá de cima.
então,
ri.
ri dos que tinham poder.
e em celestial indigência,
fui consagrado o imediato-rei de todas as verminoses.

vocês.

curso em doze horas

de um céu alaranjado estourando a janela
vi a liberdade
entre formações de nuvens em cascata
vi a liberdade
e na espera pelo vento e a tempestade
vi a liberdade
assistindo estrelas e plantações na noite veloz
vi a liberdade
em minhas doses homeopáticas de vida.

tom terceiro (escarlate)

o toque. libertação.

nudez não é desejo.

sexo não é penetração.

prazer não é gozo.

a admiração não é visual,

a entrega não é afobada.

o amor não escraviza.

tom segundo (azul)

proximidade toma forma.

ares da beleza na intimidade.

em sua forma plena,

se desdobrando em paredes e cômodos.

da construção, física,

ao significado mais abstrato que possam ter cimento e tijolos.

o lugar.

roupas no chão.

música no quarto.

sorrisos.

brincadeiras.

teu teto. o véu.

uma janela aberta e o céu.

tom primeiro (a cor branca)

manhãs.

a luz estoura a exposição do quarto.

o incrível se retorce ao lado.

cabelos embaraçados no travesseiro.

pijamas surrados.

outro gesto de sono.

em sorrisos que antecedem o “bom dia”.

beleza canônica.

e a graça

- num despertar sem retoques.

direção

fincados neste chão.
afundados até os joelhos.
cada passo na areia escura demanda coragem, força, obstinação.
no sol, no caos, na multidão. a compulsória e solitária rotina.
nos achamos. cada dia que passa é um a menos.
a ampulheta chora sangue.
no pulso, cada segundo que bate nas engrenagens do relógio ecoa um zumbido estridente, atinge o sistema nervoso.
    as veias saltam.
    a boca seca.
    os músculos contraem.
e, pasme, caminharemos feridos: a direção: na nossa.

bisturi

com as mãos
ela apoiou-se sobre meu peito
deslizou dedos sobre meu corpo
e aquele toque 
me atravessou.

rompeu a pele
transpassou sentidos
e vazou por dentro
sem feridos.

o silêncio salvaguardou o vazio
enquanto
a respiração cicatrizava vias abertas

era como se ela me dissesse:
      - eu tô aqui. eu tô contigo.

pra extirpar toda dor. pra retirar tumor.
e assim melancolia se foi.

quando te leio

pureza foi prelúdio
na inocência
no impulso
no encanto
no aceno,
na brincadeira de escrever sobre O Vento

mas remonto a obra
equilibrada
desdobro
pontuo
e cravo
a epifania literária
dos momentos que participei

faço a digressão
falamos de saudade e poesia
sexo e angústia
dor e religião
nos inclinamos ao horizonte
no populacho,
na escarlatina,
ou no chá das 3: uno de vez

retorno à casa
aos textos
me faço objeto de tua palavra
te leio com coração
faço dos versos compreensão
justifico sentimento
te dou prosa, te dou rima, te dou a mão
e digo no seu ouvido
"nada do que escreves é em vão".