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Uma noite com Arlindo

"Essa música não sai da minha cabeça", reclamava durante o dia.

Acordou no meio da madrugada.
Sua irmã na cama de cima.

Continuou deitada.
Olhando pra cima, com o escuro sem deixar ver nada.

Não via teto, não via paredes, não via nada.
Só conseguia ver que na verdade não via absolutamente nada.

Via, e ouvia, a música.
Bem nítida, ressoando na cabeça.

Resolveu levantar.
O silêncio era quebrado pela frequência mansa do ventilador e, é claro, pela re-batucada da música, que não saía da cabeça - e se misturava à melodia do ventilador.

Atravessou o quarto e abriu a porta sanfonada
Passou pela saleta que liga os quarto à cozinha e, quando finalmente acendeu a luz, lá estava ele:

Com um banjo, a barba safada e cordões de ouro pendurados no pescoço.
"Isso não é possível", ela pensou... era Arlindo Cruz.

Sentadinho na cadeira, olhando para ela com aquele sorriso de pagodeiro, 
E puxando um 

"Globo Repórter é B-B-Beleza/ e pra ser Mais Você é muita Malhação/ 2010 é com a bola nos pés e o controle na mão/ Não é mole não, meu irmão, não é mole não/ O povo escolheu a Globo/ isso é globalização (...)".

Inacreditável.

Conversa do eu comigo

Quantas vezes desencontrei-me?
          perguntou um Eu pensante e dotado de consciência.
"Muitas", respondeu um impulsivo inconsciente errante.

Encontrar-se.
Encontrar-se.
Encontrar-se. 
          repetiu-o algumas vezes a fim de encontrar-se
           já no significado bruto da palavra.
"Independe de outrem", indagou o inconsciente.

Independe, de independer.
Seria esse mais um desencontro
ou encontrar-se depende da solidão?
          perguntou-se já sabendo a resposta,
          ainda que ela não viesse de estímulos diretos.
"Encontrar-se em si mesmo é o desencontro"

Encontro-me em você. Certamente.
          encontrar-se     e no lugar correto
          até seu inconsciente já entendia