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língua do toque

De repente resolvi te escrever.
Esse é um terrível hábito que poucas pessoas provocam em mim.
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Duas semanas. O tempo é um desgraçado.

Dançando na rua, deitando na escada, chorando no corredor, montando uma barraca, gemendo na piscina e rindo nas madrugadas. Sofá, suor, calor, fogo! febre.

A intensidade é um privilégio
de quem escolhe estar vivo!

E veja,
Até quando não dava pra fazer nada a gente mergulhou nas nossas transas… imaginadas.

É que a gente se comunica na língua do toque,
mas também tocamos o desejo com a ponta da língua. 

O corpo é lúdico do princípio ao fim.

E o seu corpo, visto por trás no contra luz, dentro foto que eu nunca fiz…
é saudade da cabeça aos pés.

Obrigado pelo carinho que saem dos seus olhos.

suas quinas e vírgulas

Essa noite me dei conta de que precisava escrever.É que me senti mais distante do que quando estamos em cidades diferentes.

Nessas horas acabo recorrendo à escrita, pra que ela me leva até minha luz…
Vai ver por lá a gente consiga se reaproximar.

Talvez eu seja bobo. Romântico, dramático, intenso, como você preferir me classificar.
Eu sou isso tudo sim e algumas outras palavras, também. Eu sou EU. E isso me torna uno.

E sendo único, poderia te fazer vestir os meus olhos pra você se enxergar através deles.

Eu queria, por exemplo, que você pudesse ter a minha visão de quando te vejo por trás, deitado na cama, e você acerta sua calcinha, puxando a alça um pouco pra cima pra que ela fique mais em “vê”. Que você visse sua consciência corporal acontecendo, sabendo se desenhar e se delinear, tão sensível.

É que seus detalhes são apaixonantes. Suas quinas, suas vírgulas, tudo o que é pequeno demais pra ser notado eu tento colecionar.

E é por isso que se você tivesse meus olhos perderíamos todo o mistério que é você não entender os meus porquês - eles você não pode ter! Só sentir. E pelos meus porquês, seguirei te elogiando, te vendo com os meus olhos.

Você me ganhou quando conseguiu entrar na minha imaginação.

Como nesses dias em que você me mostrou a lua mudando de posição pra vir nos visitar. E então a vi atravessando a janela do quarto e te cobrindo com um lençol de luz prateada. Se isso não for literatura, nenhuma outra é. E se eu não puder te ler assim, então que queimem todos meus livros também.

É que agora eu infelizmente já te vejo como poesia - acontecendo na minha frente.

Essa é uma das coisas mais bonitas que eu posso te dar: minha criatividade. Minha criança lúdica. Esse texto. Ele é o meu buquê de rosas vermelhas pra você. Só que as palavras não tem espinhos.

Enfim,

Te escrevi pra que a gente reduza nossas distâncias. E pra que você queria fazer parte dessa literatura ao meu lado. Pq se tem uma coisa que eu não consigo viver sem, é arte. Portanto a melhor escolha que posso fazer por mim é estar perto de você.

cripto

queria ser pássaro mas
no futuro serei um pixel.

tudo que cresce esvazia meu espírito.

queria ser planta mas
queria ser chuva mas
queria ser música mas

no futuro serei bitcoin.

o jardim das camomilas

deito-me
no jardim das camomilas.
converso com o perfume
submerso no teu ombro

respiro-te
no segredo da infusão das flores.
buquê, princípio das ervas
das minhas próprias primaveras

esfumaçar

certa vez,
o tempo queimou na velocidade dos cigarros.

então nos vi: olhando pro céu e procurando Gêmeos e Órion.
colecionando pedaços do universo
amaciando nossos blocos de concreto, se encontrando em versos incompletos.

o tempo é assim,
esfumaça pouco a pouco 
e esses momentos já não acontecem mais.

estrelas riscam o céu todos os dias,
mas as que a gente consegue ver são diferentes.
e as que a gente consegue ver em companhia, ainda mais.

por isso, apesar de queimar
o tempo muda dependendo de quem tá com você... pra compartilhar

...pra ver ele esfumaçar.

soturno

(eu cato minhas)
foças
(refaço suas)
dobras
(destaco nossas)
sobras
(pra enfim dormir nas)
sombras

lágrimas de plástico

chove profundo no teatro da cidade
chove uma chuva cenográfica

as gotas borram a maquiagem
e desenham no rosto lágrimas

os palhaços continuam sorrindo
dentro do choro de tinta
e dançam uma mímica melancólica

profundo chove na cidade teatro
chove chuva que cheira cherume

a boca com brasa disfarça
dos cuspidores de fogo o mal hálito da cachaça

as garças decolam dos rios
com as coladas asas de óleo
e aprendem a prisão que é voar ilusão

chuva de verdade, aqui, é realismo fantástico
no circo das lágrimas de plástico.