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a denúncia do elevador

No prédio onde eu moro, o elevador fala. Quem já veio aqui, sabe.

É uma voz feminina. Ela dá bom dia, boa noite, fala o dia da semana, a hora e a temperatura. Super educada. Ali no elevador, diante do vazio dos corredores, ela é uma companhia improvável pra quem quer receber um pouco de atenção quando sai de casa. Mas a principal função dela, eu tenho percebido, é denunciar uma grande de crise moral no Edifício Realeza.

Não é de hoje que eu percebo, já são quase oito meses aqui: Vagabundo entra no elevador, ganha o CARINHO de uma voz metálica, recebe um bom dia maneiro, tal, chega no térreo e é INCAPAZ de fazer o mesmo com o porteiro. Isso quando também não o faz com quem já tá no elevador. Na boa: EU BOLO com essas pessoas.

Essa não é uma discussão sobre educação e engana-se quem pensa que um "bom dia, tudo bom?" é mera formalidade. Não é. Essa é uma cordialidade que tira as pessoas da invisibilidade, que as transforma em alguém, que expressa zelo e humildade. É um mimo, um acontecimento que quebra o gelo, uma demonstração de carinho de uma pessoa pra outra, ainda que sejam desconhecidas.

O mundo tá realmente entrando em crise. No mercado tem alface picadinha e lavada, cenoura ralada e bolo que não foi feito pela sua vó. Até escondidinho de carne industrializado dá pra comprar. Só que agora MECANIZARAM O BOM DIA DO MEU PRÉDIO! Estamos nos afastando da autêntica felicidade que existe nas pequenas coisas, da beleza simplista da intimidade humana, do elo que nos conecta. Enfim,

Não vejo muito pra onde ir. Acho que é isso.
Bom dia! Hoje é quarta-feira, 28 de março, 10 e 50 da manhã. Fazem trinta e dois graus.