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à casa

em palavras te desenhei na parede
denotações disfarçadas em versos.
inversamente, ávida, você invadia a vida.

desde a parede, portas abertas
versos depois, móveis na casa.
             , vir aqui não dói nada.

então sai dessa praça
cessa pirraça
vira e disfarça
desfaz toda a farsa
deixa o resto e me abraça
e mora em mim que é de graça.

insônia

hoje,
de lembranças partiu a insônia.
do vazio que é a distância.
da teimosia que me fez esperança
em ver-te de novo de novo
amanhã.

nota de repúdio

É sobre o último post. 
Não era para ser uma auto-crítica. Soou demagogo. Então vou me retratar (só como exercício).

É, eu sou um merda. Não por recusar a caridade, mas por compreender a situação e ainda assim não ter o desejo essencial de mudança interna. Não me sinto culpado pela miséria do outro, me sinto culpado pela minha indiferença. Mas ela é quase compreensível. Quando se vê tanta pobreza na sua calçada, os olhos calejam. Fazê-la invisível é a única forma de não se machucar. Não somos monstros, mas as vezes somos aspirantes a um - coisa de classe média mesmo. Status, poder, dinheiro. É isso agora? De onde venho, na infância, costumávamos estar entre o razoável e o confortável, sem nunca deixar faltar. Num bairro sem miséria, mas relativamente pobre e violento, aprendi que nesse país tão desigual o luxo e ostentação é moralmente vergonhoso. Mas hoje passo todos os dias por aquele estacionamento da Globo abarrotado de carros importados, e eles lentamente me lobotomizam. É como se minha vida fosse esse um puteiro, e eu, um projeto de prostituta que se vende por arroz e feijão (mas também por cocaína). Entre o necessário e o destrutivo. Mas nem sempre foi assim. Houve aquele tempo do futebol na rua, pureza. Vídeogame no vizinho. Pique-esconde no quintal de casa. Biscoitos roubados no supermercado. Inocência. Época em que não precisávamos de ideais, mas que agora por necessidade ou maturidade eles ocupam a mesma gaveta de amores platônicos, revistinhas do Batman e livros socialistas. E ideais são assim. Incômodos. As vezes eles me tiram a leveza me fazendo entender que o placar está Realidade dois, Sonhadores zero. E como já sabemos, três a zero é capote.

leite derramado

Outro dia paguei a conta de um cara no supermercado. Deu doze reais. Ele levou três unidades de leite em pó, uma delas para crianças menores de três anos. Hoje, um garoto me pediu dinheiro na rua. "Qualquer moeda", ele disse. Queria centavos. Eu tinha dois e setenta e cinco no bolso, tudo em moedas. Não dei nenhuma. Não sabia se era para leite. O cara do supermercado, antes de qualquer coisa, queria que eu passasse seis unidades de leite em pó, duas delas para crianças com menos de três anos. A conta daria quase vinte e quatro reais. Eu devia ter uns setecentos na conta corrente. E uma quantia bem maior na conta poupança. Me recusei, paguei a metade. Doze. Doze. Uma das unidades, que era para crianças menores de três anos, ficou nas prateleiras. Nesse mesmo dia fui a uma festa em Botafogo. A comanda deu cinquenta e seis reais. Foram cervejas. Ele queria leite. O menino da rua, centavos. Mas eu não dei. Nesse dia da festa o posto de gasolina me custou vinte e oito reais. Sobrariam moedas. Pagaria o leite. Mas era GNV.

Eu sou um merda.

horóscopo 2.1

SAGITÁRIO
vai que é tua.

horóscopo 2.0

ESCORPIÃO
quinta-feira tem  sexta tem   sábado tem   domingo tem   segunda tem   
terça tem   quarta tem   quinta tem   sexta tem   sábado tem   domingo tem   
segunda tem    terça tem   quarta tem    quinta tem    sexta tem   sábado tem   
domingo tem   segunda tem   terça tem   quarta tem   (essa quinta não)   
sexta tem   (esse sábado não)   domingo tem   segunda tem   terça-feira tem. 

meio amargo

deitou-se ao meu lado. lá longe, de casa. olhou-me nos olhos. lá longe, instintiva. sorriu-me tímida no silêncio. lá longe, enquanto eu provava do mais legítimo placebo. uma insípida e volumosa pedra de gelo. coloquei-a na boca imaginando uma trufa. enganei os sentidos. toquei nela, na tela. lembrei o gosto do chocolate. senti seu aroma. quando devolvi o sorriso, também tímido, de canto, ambos rimos juntos. e assim a pedra de gelo derreteu em minha boca até o amanhecer. estava deliciosa.