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nota de repúdio

É sobre o último post. 
Não era para ser uma auto-crítica. Soou demagogo. Então vou me retratar (só como exercício).

É, eu sou um merda. Não por recusar a caridade, mas por compreender a situação e ainda assim não ter o desejo essencial de mudança interna. Não me sinto culpado pela miséria do outro, me sinto culpado pela minha indiferença. Mas ela é quase compreensível. Quando se vê tanta pobreza na sua calçada, os olhos calejam. Fazê-la invisível é a única forma de não se machucar. Não somos monstros, mas as vezes somos aspirantes a um - coisa de classe média mesmo. Status, poder, dinheiro. É isso agora? De onde venho, na infância, costumávamos estar entre o razoável e o confortável, sem nunca deixar faltar. Num bairro sem miséria, mas relativamente pobre e violento, aprendi que nesse país tão desigual o luxo e ostentação é moralmente vergonhoso. Mas hoje passo todos os dias por aquele estacionamento da Globo abarrotado de carros importados, e eles lentamente me lobotomizam. É como se minha vida fosse esse um puteiro, e eu, um projeto de prostituta que se vende por arroz e feijão (mas também por cocaína). Entre o necessário e o destrutivo. Mas nem sempre foi assim. Houve aquele tempo do futebol na rua, pureza. Vídeogame no vizinho. Pique-esconde no quintal de casa. Biscoitos roubados no supermercado. Inocência. Época em que não precisávamos de ideais, mas que agora por necessidade ou maturidade eles ocupam a mesma gaveta de amores platônicos, revistinhas do Batman e livros socialistas. E ideais são assim. Incômodos. As vezes eles me tiram a leveza me fazendo entender que o placar está Realidade dois, Sonhadores zero. E como já sabemos, três a zero é capote.

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