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O Metrô, episódio III

Ilmo. Sr.Governador

Hoje experimentei o novo carro do metrô, aquele que vem substituindo toda a antiga frota.

Não gostei.

Contudo, admito que os novos carros são realmente incríveis, meus parabéns. O ar condicionado é potente, fundamental nos dias quentes do verão carioca, mesmo tendo me deixado meio gripado. Os carros também são robustos, têm mais espaço interior e a sacada de tirar as divisórias entre os vagões é genial. O tempo entre as estações também diminuiu, concluí que eles são mais velozes e silenciosos. Gostei que os carros consomem menos energia, também. Vi isso na publicidade que ficava passando nas televisõeszinhas pequenas dentro deles. E os bancos? Bem dispostos, de maneira que mais pessoas possam se sentar. Pareceu tudo muito bom. Mas só pareceu mesmo. Porque na primeira viagem percebi o quanto as coisas estão mudando entre nós, Governador. E isso me perturba.

Vamos aos fatos.

Hoje não levei nenhuma cotovelada enquanto as portas se abriam. Ninguém limpou o suor usando minha camisa. Não vi grávidas ficando em pé, marmanjos no vagão das mulheres e, principalmente, não fui encochado por um gordo excitado. Agora me responda, Sr.Governador, para quê andar de metrô se não existe a possibilidade de ser encochado por um gordo excitado - ou, eventualmente, encochar um? Com todo o respeito, se eu quisesse viajar com tranquilidade, singularidade e frescor, pegava um ônibus executivo, quem sabe um táxi. Mas não: eu quero andar de metrô! Logo, espero que a companhia me ofereça um serviço de metrô legítimo, que tenha gente se empurrando na disputa por um assento e que viaje com mochila nas costas. Que se proponha a respeitar a legitimidade cultural desse tipo de transporte num país de terceiro mundo, e não transforma-lo diante a pressão de parte ínfima da população que exige, infelizmente, o mínimo de respeito. Poxa, agora eu vou fazer Pavuna x General Osório como se fosse Châtelet x Saint-Dennis? Tá achando que isso aqui é Europa? Sr.Governador, eu só quero continuar voltando para casa como nos bons tempos, imobilizado na multidão, tendo que pedir para um desconhecido coçar minha testa por não conseguir levantar os braços. O Sr. entende meu ponto? Aliás, o Sr. já sentiu o suor de um estranho no cangote? Ao menos sabe que sensação é essa? Acho que não. Mas isso não significa que o Sr. não seja capaz de compreender que eu não quero perder esse tipo de coisa, né. Afinal, esses são os velhos costumes! Que por anos firmaram-se como patrimônio púbico deste povo. Saibamos valorizá-los e preservá-los. Portanto, com esses novos carros o Sr. está passando por cima dos vários anos em que fomos transportados como gado e, consequentemente, por cima de nossa História.

Ao que parece, Sr.Governador, esses são tempos que não voltam mais. Tempo que todo carioca lembrará com carinho, vislumbrando nostalgicamente o agradável infortúnio que é ser um suburbano. Um dia espero que o Sr. entenda que o povo exige a dignidade de um glorioso retorno às raízes, aos dias em que éramos transportados sem o menor respeito pelas linhas ferroviárias de sua cidade. Se este dia chegar, o Sr. saberá onde nos encontrar: estamos em algum lugar entre as linhas um e dois do metrô, das 5h às 23h, confortáveis, frescos e civilizados, como nunca haveríamos de ser, NÃO FOSSE VOCÊ.

Atenciosamente,
Um de nós.

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