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Ah, o subúrbio

    Só ele é capaz de justificar o luxo de um pão com ovo numa manhã de sábado em vez da torrada com Nutela numa terça-feira às 9 antes daquela(!) caminhada no Aterro. Pra quê manteiga, se a margarina é cremosa e o comercial diz que faz bem pro coração? Quando não é isso, raspar todo o pote de requeijão antes de jogar fora é essencial. Esses caprichos estão caros e só o todo poderoso sabe sobre o dia de amanhã. Mas a novela na nova tela plana 42 polegadas tá garantida.
    É, fazemos parte dessa classe média que quanto mais aumenta seu poder aquisitivo mais aproveita as promoções do Guanabara, sejam as de 2 reais ou 20 centavos. E talvez sejam essas pequenas inter-relações com o mundo que reforcem nosso caráter. Não é preciso apenas dar valor ao (eventual) pouco dinheiro, mas a racioná-lo de forma eficiente mesmo que isso signifique agir irracionalmente - como quando você compra a maldita tv e o pote de Nutela não.
    O cotidiano é repleto de detalhes que servem como destinadores para a grande reflexão que qualquer suburbano precisa fazer (e refazer). São eles o pão com ovo, os potes de requeijão e Nutela, a ida ao Guanabara, o delivery de comida japonesa, o ratatá na Lapa, a televisão de led e o bilhete único. Eles ilustram perfeitamente qualquer suburbano e seu comportamento. E a questão aqui não é estereotipar o camarada, mas justamente o contrário. É mostrá-lo que a problemática não é grana, mas atitude.
    Ok, há quem acorde e vislumbre da janela de casa o nascer do sol com o Cristo Redentor no contra luz. Mas a cada mesquinharia cotidiana a gente escreve "Bangu" na testa. Ou Méier, ou Vila da Penha ou Nova Iguaçu. Ou seja lá de onde formos. Minha mãe, por exemplo, sai de Caxias para fazer compras em Irajá - o Guanabara de lá é maior -, prova real de que o subúrbio ignora fronteiras.
     De todo modo, prova real de que o subúrbio somos nós, que reforçamos e incitamos ele em nosso íntimo. Levamos ele como um boi leva sua marca a ferro. Mas a sina, é bom que se ressalte, legítima, não precisa ser eterna. Basta comprar um pote de Nutela quando der na telha. Só não se esqueça que esse tipo de produto você não encontra na Páscoa Encantada do Guanabara.

Um comentário:

Marcos Reis disse...

O interessante da classe C é que ela compra orgulhosamente o modelo de vida das classes A e B. O jogo do Mengão, como bem disse, tem que ser em 42". Mas o shopping tomou o lugar da feirinha de sábado e se você souber que o cara das Casas Bahia quer te vender a mesma máquina de lavar que você viu no Ponto frio por 200 reais a mais você não engole e ou pechincha até fazer barraco ou faz questão de botar gasolina no carro e ir pro próximo bairro tentar em outro shopping. Parece que o que sobrou à nossa elite é a capacidade de poder ser otário. E não há beleza maior que atravessar a Lapa pra comprar uma Heiniken que custa 20 centavos a menos que o depósito mais próximo.